quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Apocalipse automobilístico


David Cronenberg é um diretor canadense megalovax foda. Em quase todos os seus filmes os personagens acabam passando por uma transformação plena e doentia da mente e do corpo devido a obsessões, taras e fetiches.

Com "Crash - Estranhos Prazeres" (que eu recomendei no CineMasmorra especial de Dia dos Namorados: http://cinemasmorra.com.br/masmorra-cast-especial-dia-dos-namorados-quando-o-amor-se-transforma-em-horror/) de 1996, não será diferente. Nesse longa a conotação sexual está em todas as cenas, só que de um jeito muito bizarro! Em primeiro lugar, pensem quando os jovens adultos querem transar: o primeiro objeto de desejo é o carro! O automóvel é a garantia de sexo dos garanhões! No filme do Cronenberg o acidente de carro é a garantia de sexo! A relação-fetiche do prazer sexual através de acidentes violentos de carro pelos personagens está ali a todo momento. O sexo, o desastre automobilístico, os corpos deformados pela destruição nas estradas, toda essa perversão bizarra passeia pela tela e os espectadores acabam hipnotizados com o que está acontecendo ali. É muita bizarreira junta!

São três os fetiches do modo de vida capitalista americano explorados em "Crash": o sexo, o carro e a violência, só que tudo junto misturado! E como no sexo, nessa pérola do bizarro do mestre Cronenberg vale tudo: tem vuco-vuco dentro de carros, tem masturbação coletiva de seita maluca assistindo vídeos de bonecos de teste e carros sendo destruídos, tem triângulo amoroso sinistro, tem reencenação de acidentes fatais de carro famosos com gente famosa do cinema (como o James Dean!), tudo em nome do prazer! Esse filme do Cronenberg é imperdível!

Trailer de "Crash - Estranhos Prazeres" (1996, David Cronenberg)

Mas não paremos aí! Tudo começa em "Crash" com um acidente de carro... do mesmo jeito que em "Tetsuo: The Iron Man" (1989) - mais videoclipe do que filme - de outro mestre do bizarro, Shinya Tsukamoto! O nome do personagem dessa estranha obra-prima japonesa que sofre um acidente de carro logo no início pelo personagem chamado de "Assalariado" é... "O Fetichista"! Após esse acidente o Assalariado sofre metamorfose da carne radical, o coitado literalmente se transforma num homem de ferro! E ainda comparando com "Crash", há vários momentos sexuais, inclusive uma das sodomias mais estranhas do cinema: num pesadelo, a namorada do Assalariado introduz um tentáculo metálico no pobre dito cujo! E nem mencionei o pênis-furadeira do Assalariado, na cena de amor mais bizarra-surreal-gore do universo cinematográfico!!! Sinistro!



 "Tetsuo: The Iron Man" (1989, Shinya Tsukamoto), e a inesquecível cena do Assalariado furando (Rá!) a namorada!

Mas estou automobilisticamente frenético e não acabei! No "Crash" do Cronenberg o homem e o automóvel são íntimos, a principal máquina de consumo capitalista mata pessoas no início do filme, mas isso é deixado de lado para que o sexo seja a atração principal. O acidente de carro não gera culpa, mas indiferença. Não provoca horror, mas estímulo erótico! As cicatrizes são sexy, a morte do ídolo do cinema deve ser representada para gerar prazer sexual... os pequenos burgueses estão entediados e trazer o universo violento do carro para o universo sexual parece ser a solução! Os acidentes de carro fazem parte, afinal, da tecnologia moderna de remodelar corpos! A sensual sobrevivente da batida está repleta de cicatrizes e cheia de parafusos e placas de aço, quase uma inesquecível Christine - o Carro Assassino!

O homem-máquina dos novos tempos está entediado com sua rotina maquinal e repetitiva... e que a maior máquina capitalista, o Carro, apimente sexualmente o tedioso cotidiano da classe média! Aí reside o maior fetiche: o homem passa a ser objeto sem sentimentos e o objeto - o carro - passa a ser mais valioso como desejo em nossa sociedade. E tome robôs, máquinas e Christines com mais sentimento, luxúria e personalidade que os seres humanos na cultura pop de consumo! É o apocalipse!




E por falar em apocalipse automobilístico, terminemos esse post gigante com "Week End", filmaço de Jean Luc Godard que desconstrói essa idéia de que o símbolo da sociedade de consumo capitalista, o automóvel,  é sinônimo de felicidade. Nesse filme também tem carros e violência, mas em outro contexto que não o do prazer da sociedade de consumo. Temos o horror dos engarrafamentos e acidentes de trânsito com cadáveres ensangüentados pra todo lado, carros capotados, pessoas em chamas, e os protagonistas não estão nem aí pras catástrofes ao longo do filme! É mais um exemplo de desumanização dos homens em meio à destruição! Se em "Crash" a perversão sexual gerada pelo automóvel é o ápice da catástrofe, em "Week End" a própria civilização derrapa e capota por causa do veículo! Genial!

E antes que esse post fique mais engarrafado com outras referências de filmes sobre homens, carros, fetichismo, sexo e horror, ultrapasso pela direita em alta velocidade pra fugir do sinal vermelho! Não buzina não que eu não tô nem ligando! Fui!

Trailer japonês de "Week End" (1967, Jean Luc Godard), com direito a pequeno trecho da clássica cena do engarrafamento barulhento e caótico de quase dez minutos!


A cena famosa do engarrafamento de "Week End" - que interrompe o filme! - está aqui embaixo:

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