terça-feira, 18 de outubro de 2011

Marcelo, marmelo e martelo... para gente grande



O livro infanto-educativo da escritora Ruth Rocha conta a história de um moleque chamado Marcelo que questiona o nome das coisas e por isso passa a chamá-las pela nomenclatura que ele achar mais conveniente - é, ele quase inventa um idioma próprio! Por isso, Marcelo chama colherzinha de mexedor de café, leite de suco de vaca e por aí vai.

Pois eis que o esquisitíssimo filme grego de 2009 - candidato a Oscar de 2011 - "Kynodontas" ("Dente Canino"!), subverte ao extremo a história do Marcelo do livro pra crianças. Se preparem pra trama: um pai e uma mãe insanos criam três filhos sem nome - duas jovens e um rapaz, todos jovens entre seus dezesseis a vinte anos - presos e isolados num casarão sem contato algum com o mundo exterior. A única fonte de aprendizado "formal" dos três são as informações estranhas e equivocadas dos pais, que têm plena fé de que esse isolamento é a forma ideal de educar seus filhos sem maldade nenhuma.


Acreditem se quiser, mas as próprias palavras passam a ter outros significados naquele mundo surreal: telefone significa saleiro, zumbi é flor amarela, poltrona é mar, vagina significa lâmpada...  Além disso, o incesto, as mentiras, a obediência plena aos pais - e até a auto-mutilação -, tudo isso é incentivado pelas regras absurdas.

Querem mais desse universo muito particular? Toda vez que um avião aparece nos céus, os pais arremessam réplicas de brinquedo no jardim, como se os aviões reais se jogassem ali; os garotos são levados a acreditar que existem monstros terríveis fora dos limites da casa - principalmente os gatos, criaturas consideradas as mais mortíferas do mundo - e para espantá-los nada melhor do que ficar de quatro latindo que nem louco - ou usar uma tesoura de jardineiro; não há televisão, eles só assistem vídeos gravados da própria família; Frank Sinatra é o avô falecido dos moleques, e "Fly me to the Moon" é na verdade uma construtiva mensagem do além. E a mais importante regra desse mundo bizarro é que um filho só pode sair daquela casa dentro de um carro e somente se o dente canino cair.

É, não faz sentido, mas até aí...

Por fim, uma prostituta particular é contratada para extravasar as necessidades sexuais do rapaz, com direito a sexo explícito e o escambau - e ela acaba se transformando numa espécie de "mercado negro" de informações do mundo exterior!

O pior é que quando o pai maluco descobre essa faceta da quenga, ele vai até a casa dela e provoca a maior videocassetada da história! É sério! Não estou falando das Videocassetadas idiotas do Faustão, mas sim da surra que a pobre profissional do sexo leva do pai, sem porrete, mas com um videocassete inteiro!!

 Taí um filme esquisitaço, que mescla o "Mito da Caverna" do Platão com os filmes "O Enigma de Kaspar Hauser" de 1974 e "El Castillo de la Pureza", de 1973, e fala principalmente sobre como o mundo pode ser sem sentido, controlador - e assustador!

Pra um filme que não faz sentido (ou tem todo o sentido do mundo), encerramos com uma palavra igualmente sem sentido:

"Supercalifragilisticexpialidous"!

O trailer


Trechos bizarros de "Kynodontas" (2009)

4 comentários:

  1. Assisti O Enigma de Kaspar hause, vou procurar este filme pra comparar.
    Valeu :)

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  2. Que maneiro, Ivan!

    As semelhanças dos dois filmes são, entre outras coisas, o processo educativo dos personagens isolados da sociedade e do mundo e suas interpretações e experiências bizarras devido ao background incomum deles.

    A diferença é que o Kaspar Hause chega a interagir com o "mundo real" como conhecemos, diferente dos três jovens do filme grego!

    Que viagem, né?

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  3. Assisti o filme naquela semana mesmo, Douglas, e depois sai tuitando alucinadamente recomendando o filme e seu post.
    Fiquei muito impressionado, e você tem razão, as semelhanças entre os dois filmes são muitas, e a diferença, além da que você apontou, é a de mostrar que mesmo isolados certas vicissitudes continuam sendo reproduzidas, talvez indicando que fazem parte da nossa natureza, como as meninas se drogando, e a violência entre eles, já que os pais fazem o possível para que eles não tenham contato com este tipo de situação e mesmo assim eles aprendem sozinhos como fazer.
    O filme é um mar de referências, sutis ou não, valeu pela dica.
    :)

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  4. Os dois são filmaços, Ivan!

    Quanto à violência e às drogas do filme grego, não parece que o ser humano sempre quer desculpas pro seu comportamento? Nesse filme, a gente quer pôr a culpa nos pais insanos por todas as coisas ruins que os moleques fazem, já que a vida deles virou uma prisão, uma realidade alienígena mesmo, muito em parte por causa dos próprios pais.

    Só que a tal da culpa sempre é de alguém, nunca é da responsabilidade do indivíduo, não é?

    Se a gente viajar, lembra que dois dos irmãos estavam acomodados (a porta da casa podia estar aberta que nenhum dos jovens botava o pé pra fora!), enquanto a mais velha não queria fazer parte daquele mundo bizarro?

    Ela quis fugir, quis ser livre daquilo tudo!

    O filme tem temática existencialista!! Olha que viagem! (O filósofo Jean Paul Sartre falava que "O homem está condenado a ser livre"!)

    Valeu Ivan, que bom que você gostou do filme!
    Eu também achei muito foda!

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