terça-feira, 17 de abril de 2012

A senhora das bocas


Caríssimos, hoje vambora pra um filmaço nacional. Violentíssimo, subversivo, impressionante, maníaco... foda.

"Rainha Diaba" (1974), do Antonio Carlos Fontoura, merece todos as ovações possíveis e imagináveis. Pensem naquelas tramas cheias de reviravoltas e roteiro que prende a atenção desde o início tipo "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" do Guy Ritchie ou "Cães de Aluguel", mas numa versão independente carioca da gema... há quase quarenta anos atrás!

Esse tesouro brasileiro é uma crônica policial sobre as ações e reações do rei do narcotráfico no Rio de Janeiro que, inesperadamente, é rainha! O chefe das bocas sádico, passional, violento e homossexual "Rainha Diaba" - essa é a melhor atuação da carreira de Milton Gonçalves - que toca o terror no filme é inspirado livremente em Madame Satã, o travesti/contraventor/malandro/mestre da navalha/carnavalesco/capoeirista mais famoso da Lapa do século passado.

A obra impressiona sob qualquer aspecto. As atuações são soberbas - o Milton Gonçalves está possuído (!) no papel (confiram na cena da tortura no salão ou mesmo no final épico), mas temos também Nelson Xavier, a essência do malandro traíra, manipulando todos os outros personagens pelo controle das bocas da Rainha Diaba.

O figurino e a cenografia são espetacularmente cafonas, vide os créditos iniciais de cartolina e purpurina estilo trabalho escolar do primário, a vestimenta de lantejoula verde da quenga cantora de cabaré (Odete Lara) com sua peruca verde combinando e, por fim, o quarto de bordel e quartel general da Rainha Diaba, mais colorido que um episódio dos Teletubies! Imaginem se o Falcão resolvesse fazer um videoclipe em Bollywood dirigido pelo Almodóvar! ainda assim, esse filme conseguiria ser mais cafona!

A trilha sonora vai de James Brown a Caubi Peixoto, de David Bowie a bolero argentino, passando por Harry Belafonte! Apesar do baixo orçamento, a ação é digníssima e eletrizante. O mais legal, no entanto, é o diálogo - todo o elenco é fluente em "malandrês" carioca dos anos setenta!

O filme apresenta narrativa envolvente, tem chacina, tem os travestis mais surreais do cinema, ancestrais de "Priscila, a Rainha do Deserto", tem os inacreditáveis capangas das bocas da Rainha Diaba (Anão, Coisa Ruim, Peludo, Manco - esse último é o onipresente Wilson Grey!), tem o cabaré-prostíbulo "Leite da Mulher Amada"- nome de vinho branco de supermercado (o "Liebfraumilch"!),tem Zezé Motta pelada... e tem a cena da tortura no salão.

Caríssimos, a protagonista-título e seu séquito de travecos e bibas raptam a quenga depois do seu número estilo Almodóvar com David Lynch. O que se sucede a partir daí no salão de cabeleireiro é uma tortura digna do "Cães de Aluguel": Milton Gonçalves com "a diaba" no corpo queima a infeliz da profissional do sexo com cigarro, fura com alfinete, e a pobre vai resistindo... até a chegada da chapinha satânica nas partes baixas seguida de navalha!

Esse filme é antecipação cinematográfica tupiniquim de Tarantino e Almodóvar, e mistura com talento numa espécie de "panela sexploitation" muita violência, mulata pelada, festa de aniversário bizarra com travecos, um retrato pioneiro do narcotráfico carioca, favela, baixo orçamento, Milton Gonçalves de baitola, cabaré, traições e cadáveres empilhados.  Sem mais, "Rainha Diaba" é imperdível!

 Cena do número musical da Odete Lara em "Rainha Diaba"



7 comentários:

  1. Por sua descrição e pelo trecho do vídeo me convenceram que verei esse filme. :)
    Assisti Madame Satã, com Lazaro Ramos, achei um filme interessante, tem um jeitão de filme da década de 70, o que não sei dizer, ainda, é se isso foi bom ou ruim.
    Valeu.

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    1. Caríssimo Ivan, Rainha Diaba na minha humilde opinião é um dos melhores filmes brasileiros que já assisti sem o Zé do Caixão!!

      Eu também vi o filme mais biográfico da Madame Satã do Lázaro Ramos, mas, cá entre nós, comparando os dois, Milton Gonçalves sai na frente disparado!

      Valeu Ivan!

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  2. É Douglas.. como sempre ótima escolha e excelente descrição/critica.

    Sempre gostei muito do filme principalmente da interpretação mediúnica do Milton, grande ator bastante menos prezado na minha opinião, tem muito mais valor que se pensa..

    Bem legal.

    Att,

    Cordeiro disléxico

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  3. aliás vc tem mail ???? depois me avisa ou com teu irmão como falar .... abração, trabalho no infolink.

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    1. É isso mesmo, Cordeiro! Milton Gonçalves psicografou Satã (que ainda estava vivo na época)!

      Claro que tenho email, só não sei usar direito! Manda o teu pro Podtrash que eu te respondo!

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  4. Blz irmão..

    seguinte coloquei esse aviso lá do Podtrash, mas creio que vc va gostar:

    http://buchinsky.wordpress.com/2012/04/15/jose-mojica-marins-vai-dirigir-segmento-em-the-profane-exhibit/

    Acho que tem td para arrebentar.

    Cordeiro.

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    1. Ué, eu já tinha respondido esse comentário mas ele sumiu...

      Seginte, Cordeiro, o Mojica fala desde e época do lançamento de "A Encarnação do Demônio" em filmar uma história-lenda sobre um monstro que mata pra roubar os olhos das vítimas e não consegue desde então.

      É impressionante como aqui no Brasil ele quase nunca tem o valor reconhecido, ele vai acabar filmando lá fora no exterior.

      Vamos ver se assim ele consegue a visibilidade que ele merece.

      Valeu!

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