segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Era uma vez um almirante negro

Salve o navegante negro!

Salve João Cândido Felisberto, o mestre-sala dos mares!


Elis Regina canta "O Mestre-Sala dos Mares" (Aldir Blanc e João Bosco, em apresentação de 1974) com letra censurada pela ditadura militar - o título original era pra ser "O Almirante Negro", e onde escuta-se "feiticeiro" era pra ser "marinheiro"

Caríssimos, há um século e um ano atrás, a elite da marinha do Brasil era (é?) branca e, a marujada, quase toda negra. Os salários desses marinheiros eram baixíssimos, os alojamentos, horrorosos, a comida péssima e quase sempre podre, e os castigos corporais odiosamente prosseguiam. Era a herança abjeta da escravidão no seio das forças armadas da recém proclamada república brasileira.

O açoitamento humilhante de um marinheiro negro na frente de toda a tripulação pra manter a disciplina é a gota d'água: eclode a rebelião e os donos do chicote são mortos no navio Minas Gerais. Além dessa, mais cinco embarcações são tomadas de assalto e os canhões navais são apontados pra então capital do país, o Rio de Janeiro - alguns tiros chegam a ser disparados! - e João Candido, o líder do levante, exige o fim dos castigos corporais, perdão presidencial pelo motim e melhores condições de trabalho.

O povão, é claro, estava do lado do Mestre-Sala dos Mares, como bem diz o samba de Aldir Blanc e João Bosco! Houve até impressionante mobilização popular pra garantir mantimentos e abastecer os navios durante os cinco dias da Revolta da Chibata, que termina vitoriosa, mas não sem um preço: a anistia é ignorada e cerca de cem marujos são presos e deportados pra Amazônia para trabalhos forçados. Alguns são fuzilados e atirados ao mar, outras centenas - inclusive João Cândido - vão presos em porões, as "solitárias" com dezenas de detentos em cada uma. Sufocados por cal nesses túneis subterrânos da Ilha das Cobras e sem água, comida e higiene, quase todos morrem nesses porões da Ilha das Cobras em questão de dias.

O almirante negro sobrevive, é internado num hospício por dois anos, é solto, expulso da marinha, e vira vendedor de peixe no porto até morrer quase nonagenário e esquecido, em 1969. Mas seus feitos correram o mundo e escritores chegaram até a comparar o ocorrido no Rio de Janeiro em 1910 com a revolta dos marinheiros do encouraçado Potemkim na Rússia, em 1905. E a comparação procede! Os oficiais aristocráticos da marinha russa banqueteavam-se com vinho, caviar e o escambau, enquanto os marinheiros resolvem recusar a lavagem de resto de beterraba, batata e carne bichada.

Quando estoura o motim e um rebelde é fuzilado, o povão russo (mulheres, operários, crianças) também vai pro porto, pro cais de Odessa, saudar seus heróis rebeldes (parecido com o que houve no Rio), prestar homenagens ao marinheiro falecido. Só que caíram numa armadilha fatal: os cossacos, mandados pelos oficiais do czar, massacram cerca de três mil pessoas nas escadarias do cais.

Tudo isso imortalizado na obra-prima do cinema mundial "O Encouraçado Potemkim" (1925), de Eisenstein.

Trecho da cena da matança nas escadarias de Odessa ("Encouraçado Potemkim", 1925, Serguei Eisenstein)


 
    "Mas faz muito tempo..."

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