sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Um índio não é um corvo

Foto para o pôster de "Fitzcarraldo"

O irritadiço ator Klaus Kinski e o obsessivo diretor Werner Herzog são dois alemães malucos que uniram seus poderes para realizar filmes interessantíssimos na década de setenta (como "Aguirre", "Nosferatu" e "Woyzeck") e oitenta (como "Cobra Verde"), sendo dessa última década - mais precisamente 1982 - a exumação de hoje. Falo aqui de "Fitzcarraldo", que contou até com a participação de alguns artistas brasileiros, como José Lewgoy, Grande Otelo e Milton Nascimento.
Essa produção mostra a trajetória de um empresário falido disposto a se aventurar na selva amazônica do ciclo da borracha do início do século XX para arrebanhar lucros gigantescos criando uma rota de navegação fluvial nunca antes imaginada por meros mortais: atravessar um morro entre dois rios com um navio a vapor de mais de trezentas toneladas! De quebra, pretende levar uma apresentação da ópera de Caruso aos povoados mais recônditos da Amazônia (aquela velha história do branco colonizador levando "cultura e civilização" para o índio "inculto e bárbaro", mas isso é um outro papo).
Bem, o que eu realmente pretendo dizer sobre essa obra (cujos bastidores encontram-se bem registrados no documentário sobre as filmagens, pois até explica o abandono de Mick Jagger do projeto, por exemplo) é o absurdo e o grau de insanidade a que chega um diretor, porque este doido resolve levar às últimas conseqüências os meios para a realização da sua visão - no caso, o filme.
Explico: do meio para o final, o empreendedor maluco (interpretado pelo nervoso Klaus Kinski) arregimenta centenas de indígenas peruanos para, somente com alavancas, cordas, toras e força humana, executar a já mencionada travessia entre os rios da descomunal embarcação a vapor pela montanha. Nunca é demais repetir: o navio colossal foi tirado de dentro do rio, puxado morro acima, empurrado colina abaixo e realocado em outro rio. Sem guindastes, tratores, efeitos especiais - o único fundo verde, evidentemente, era a própria floresta (insanidade total!). Em uma cena específica dessa parte, a embarcação esmaga um índio, e tenho quase certeza de que foi de verdade. Sem brincadeira! Claro, a suposta morte de um figurante peruano dificilmente causaria tamanha comoção como, por exemplo, o polêmico acidente fatal sofrido por Brandon Lee (filho do Bruce Lee) durante as filmagens de "O Corvo". Mas, para mim, das duas uma: ou neguinho faleceu durante a realização de "Fitzcarraldo" ou Herzog é genuinamente um mestre, não tem outra possibilidade!
Sim, trata-se de um filmaço, cujo modelo de produção jamais será repetido em filmes dos dias de hoje. Recomendo pelo impacto causado no espectador ao assistir na tela um sonho megalomaníaco realizado por dois protagonistas, o fictício e o verdadeiro. Confiram o trailer:

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