quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Comer até explodir - Segunda Parte (ou Comer, Cair e Não Levantar)


Na semana passada - portanto, no ano passado - o assunto de um dos posts era a sensação de quase estourar quando nos empanturramos com os banquetes de fim de ano e a indigestão quase certa decorrente dos excessos (e aí, para ilustração, surgia a explosão dos comilões Sr. Creosote e Dona Redonda, do Monty Python e da novela Saramandaia, respectivamente).
Pois bem, a exumação cinematográfica de hoje, com elenco estelar encabeçado por Marcello Mastroianni, promete ir além da mera indisposição estomacal. "O Banquete" ("La Grande Bouffe", de 1973), do já falecido cineasta-questionador Marco Ferreri, narra os acontecimentos de fim de semana em um casarão burguês onde quatro homens de meia idade bem sucedidos resolvem promover uma orgia gastronômica. Ao longo da película fica claro que eles - um chef, um juiz, um piloto de avião e um produtor de tevê - planejam algo mais drástico do que uma indigestão: comer até a morte!
Três prostitutas e uma pacata e gorducha professorinha de jardim de infância são convocadas e a jornada gastronômica/sexual/surreal/suicida tem início. Nem preciso dizer que, das quatro mulheres, a professorinha é a única com "cojones" para ficar no casarão até o final da empreitada escatológica e funesta.
E a pretensiosa questão finalmente chega: por que os quatro playboys, ou "homens sérios", escolhem dar cabo deles mesmos por meio da sacanagem propriamente dita, além de garfadas de espaguete, de dúzias de pernis, codornas, baldes de purê e patê ?
Talvez quisessem se libertar do "mundo sério" burguês, enfrentando esse mundo das verdades acabadas e dos valores imutáveis, por meio dos excessos, da luxúria, da gula e do (auto) assassinato. O próprio estilo de vida deles é a razão do seu fim. A amoralidade e  cinismo do filme de Marco Ferreri são impressionantes, e o engraçado é que o alimento, considerado sagrado e símbolo da vida em muitas culturas religiosas, aqui nessa produção tem tratamento diferenciado.
Pelo motivo que logo ficará claro para os leitores, esse filme me lembrou do livro de Clarice Lispector, "A Paixão Segundo G.H.".
Observem o porquê dessa viagem toda: a protagonista, uma escultora solitária, entra em crise existencial com a sua rotina vazia e robotizada. Ela vai até o quarto de empregada desocupado do seu apartamento de rico e encontra e mata uma barata. Ali, sozinha, ela come a barata... e tem uma revelação! Essa epifania é, sem sombra de dúvida, o momento da virada, da descoberta de um sentido para a existência da personagem... E tudo porque ela comeu a barata! A barata é o alimento e dá sentido à vida no livro!
Já no filme, que só não acaba em merda - apesar de sua abundante presença ao longo da história ali contada - porque termina com a morte dos protagonistas, o alimento não tem o sentido de trazer a vida, é justamente o contrário...
Mas que viagem...
Chega! Por hoje é só!

Abaixo, alguns trechos de "O Banquete":



Observação pertinente: quando falei que a personagem do livro comeu uma barata para descobrir o sentido da vida, talvez isso não seja aplicável aos caríssimos leitores. Por favor, não saiam por aí dizendo que eu sugeri que os senhores fiquem comendo baratas para uma vida melhor... Mas, se porventura esse for o caso de alguns, apreciem com moderação!

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